Nunca
antes na história desse país tantos casos de corrupção ganharam as
páginas da imprensa. Depois das inúmeras irregularidades em convênios
com entidades privadas sem fins lucrativos no ano passado, vieram à tona
denúncias que ligam o contraventor Carlinhos Cachoeira, preso na
Operação Monte Carlo da Polícia Federal, ao senador Demóstenes Torres,
aos governos de Goiás e Distrito Federal e, até mesmo, à União, por meio
da maior empreiteira de obras federais do país, a Delta Construções
S.A.
Servindo
como cortina de fumaça ou não para o julgamento do Mensalão, as
denúncias levaram à criação e instalação de uma CPI no Congresso
Nacional. Para o professor de ética e filosofia na Universidade de
Campinas, Roberto Romano, a pressão social transformada em controle
social é a única receita para que essa CPI aconteça da maneira correta.
“Caso contrário, a tendência é que as denúncias caiam no esquecimento e
que o Congresso finja que realizou a CPI”, explica.
Confira a entrevista completa que o Contas Abertas realizou com o especialista.
Contas Abertas
(CA) - O senhor acredita que a CPI do caso Cachoeira poderá servir como
cortina de fumaça para abafar o julgamento do Mensalão?
Roberto Romano –
No mundo político todos os estratagemas são possíveis. Como disse o
soberano Francês, Luis XI: “Quem não sabe dissimular, não sabe
governar”. Todos os eventos políticos, principalmente os que prezam pela
moralidade da coisa pública, devem ser vistos com muita atenção pelos
cidadãos e pela imprensa. Atrás da nuvem existem objetivos não
confessados.
CA – O que será mais difícil nesta CPI?
Romano –
Será decifrar quais os objetivos de cada integrante da Comissão. Além
disso, entender os interesses de atores que não aparecem, como o
ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, José Dirceu e até mesmo membros
do Supremo Tribunal Federal, que além do julgamento do Mensalão,
possuem acesso aos dados secretos da Polícia Federal. Ainda precisamos
considerar os empresários que desejam o afastamento da Delta de obras e
licitações do governo federal. O mais difícil nas investigações será
falar de todos os elementos, atores e alvos em jogo nesta CPI e
desvendar seus reais interesses.
CA – Como será uma CPI onde as denúncias podem atingir tanto a oposição como a base governista?
Romano –
É exatamente por essa trama que a CPI do Cachoeira exige a máxima
atenção do público e da imprensa. Teremos que analisar o comportamento
dos integrantes da Comissão. O poder do relator e do presidente da CPI é
muito grande e o governo tem maioria esmagadora. Se a oposição, que
integra a Comissão de maneira reduzida, indicar documentos, por exemplo,
que possam apontar erros de aliados ou setores do governo e isso não
constar nos autos das investigações, a CPI perde a chance de ter bons
resultados e passa a ser mera dissimulação dos envolvidos.
CA – Sabe-se como
inicia uma CPI, mas nunca como acaba. Qual o principal motivo para tal
fato, na sua opinião? Onde que a legislação falha?
Romano –
O que acontece é que existem CPIs que contam com movimentos
organizados, que exigem a apuração com responsabilidade e pressionam por
punições. Foi o que aconteceu com a CPI que levou ao impeachment do
ex-presidente Fernando Collor. Naquele momento, havia o apoio, mesmo que
rachado, do PMDB e do PT a favor do impeachment. Além disso, a imprensa
e o movimento estudantil estavam mobilizados para que os resultados
aparecessem. As investigações que ocorreram depois, embora tivessem
importância, não envolveram outro ator tão emblemático e, por isso, não
chegaram a ter repercussão nacional.
CA – O senhor acredita que a sociedade possa se organizar novamente em favor de uma causa?
Romano –
Atualmente, parte da sociedade está se organizando e a prova disso são
os atos de contra a corrupção que aconteceram nos quatro cantos do país
no último sábado (21). Porém, as manifestações ainda acontecem em nível
muito menor do que na época de Collor. Se a sociedade conseguir se
mobilizar é provável que alcance resultados eficazes, assim como
aconteceu com a votação do Ficha Limpa. Porém, se houver um cochilo, se
deixar o controle social sobre a CPI fracassar, os atores e responsáveis
vão “sair para o abraço”.
CA – Na sua
visão, quais as consequências políticas da principal empreiteira do
maior programa do governo, o PAC, estar envolvida em escândalos por todo
o país?
Romano –
Há um erro que se repete há muito tempo nas Comissões Parlamentares do
Congresso Nacional. Sempre lidamos com os corrompidos e não com os
corruptores. O caso Delta, embora assuste pela dimensão dos negócios que
se mostraram ilícitos, não é novidade. A tradição de empreiteiras que
assumem o papel de “Estado” dentro do Estado é muito antiga. Desde
Getúlio Vargas, passando por Dutra e culminando nos governo JK e no
regime militar, a construção de rodovias e até cidade inteiras que
surgiram muito rapidamente permitiram o povoamento para o interior,
fruto da ação de empreiteiras. Por isso, esse “Know-how” e permeou para
outras empresas ao longo dos anos. Esse caso deveria ser visto na
dimensão histórica, da qual a Delta não foi a primeira e não será a
última.
CA – Quais mudanças políticas poderiam ajudar no bom encaminhamento de CPIs?
Romano –
A regulamentação do Lobby é elemento urgente e que está há muito tempo
nas gavetas do Congresso Nacional. O que são senadores e deputados, se
não, lobistas? Essa forma de lidar com o poder público, defendendo
interesses privados, prejudica e impede a concorrência entre as
empresas, fator fundamental no sistema capitalista. Os representantes do
povo precisam servir para aqueles que o elegeram, por isso estão no
Poder, mas não é o que acontece.
Existem lobbies
praticamente inconfessáveis, como é o caso do Demóstenes Torres com
Carlinhos Cachoeira. O parlamentar era considerado uma das principais
vozes da oposição, quando, na verdade era apenas lobista de Cachoeira.
Há um sociólogo que diz que se nós fizéssemos no Congresso como no
futebol, que cada time coloca o logotipo dos patrocinadores nos
uniformes, seria mais fácil identificar as prioridades e interesses.
CA – Quais mudanças a regulamentação do lobby traria?
Romano –
A partir da instituição do lobby, boa parte dos parlamentares iria
decidir se é lobista ou de fato governante e representante do povo, se é
legislador pró-governo ou oposição. O Legislativo precisa readquirir o
respeito da população, que o Executivo, nas figuras dos últimos
presidentes, conseguiu alcançar de forma histórica. Se quiser merecer o
respeito da população não pode ter representantes de interesses
privados. Agir como lobista prejudica outros investidores e outros
empresários, mas os verdadeiros prejudicados são os pagadores dos
maiores impostos do planeta: os brasileiros.
CA – Há uma
pressão social para que essa CPI não acabe em pizza. O senhor acredita
que o maior controle social pode evitar que a tradição da pizza se
repita?
Romano –
A pressão social transformada em controle social é a única receita para
que essa CPI aconteça da maneira correta. Caso contrário, a tendência é
que as denúncias caiam no esquecimento e que o Congresso finja que
realizou a CPI.
CA – A gama de
escândalos de corrupção que vem se alastrando desde o ano passado
enfraquece o governo ou demonstra mais atitude no combate de
irregularidades?
Romano –
Enfraquece o Estado brasileiro na totalidade. O prejuízo se dá em todos
os âmbitos e mostra, também, a fraqueza do governo em relação ao
combate à corrupção. A Controladoria Geral de União (CGU) faz excelente e
relevante trabalho neste sentido, mas, no caso da Delta, por exemplo,
não houve tempo, nem pessoal para cumprir o papel de fiscalização. A
empreiteira de Cavendish já poderia ter sido desvinculada de ações
governamentais desde o ano passado, quando já constavam notificações de
diversas irregularidades.
A CGU é uma instituição
pequena, com poucos funcionários. Apesar de bons resultados, ainda falha
em casos como esse. É necessário que se faça a instalação de
instituições similares em todos os níveis da administração pública para
acabar com essa supercentralização nas fiscalizações da Controladoria,
que já não dá conta de controlar tudo. É preciso ressaltar a
honorabilidade do ministro Jorge Hage que tem realizado trabalho imenso
no combate à corrupção. Em situações como essa, que abrange toda a
continentalidade do Brasil, é tarefa sobre-humana exigir tal competência
da CGU.
CA – Temos 139
projetos de lei que visam o maior combate à corrupção parados no
Congresso. O senhor acredita que há certa má vontade em relação ao tema?
Romano –
Com o devido respeito ao Poder Legislativo, não podemos pedir que a
raposa tome conta do galinheiro. Não podemos esperar que apenas os
congressistas editem leis contra o roubo dos nossos ovos de ouro. Essa é
a questão essencial da democracia: a prestação de contas e
responsabilização do agente público. Nesses casos, os maiores avanços
partem do Ministério Público, dos movimentos sociais e da imprensa, que,
nos últimos meses levaram à votação do Ficha Limpa. Mesmo assim, os
parlamentares não fizeram isso de bom grado e atenuaram a Lei com
vírgulas e travessões, além de terem atrasado a decisão em pelo menos
dois anos.
CA – Qual seria a melhor solução?
Romano –
Qualquer avanço para o combate à corrupção só pode vir de quem paga
impostos ou pelo Quarto Poder: a imprensa. Até o governo Collor, a
imprensa não dependia tanto de fitas gravadas pela Polícia Federal, mas
parte do jornalismo tornou-se preguiçoso. A nossa imprensa não pode
ficar presa aos alvos desconhecidos liberados pelas entidades
governamentais que também possuem vários interesses conflitantes. É
preciso que a imprensa tenha mais autonomia.
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30 abril, 2012
Controle social é a única receita para a CPI acontecer corretamente, afirma especialista
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