JAIR BASTOS* (@jairbastos)
O terreno ocupado abrigou uma das primeiras usinas de açúcar da região. À direita, a torre da chaminé que fazia parte da estrutura fabril é testemunha da história (foto: Jair Bastos)
Além da extensão de aproximadamente 3,5 mil hectares, a história que envolve as terras da Fazenda Sítio, em Bocaiuva, Norte de Minas, foi motivadora para a ocupação feita pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), na madrugada do domingo, 16.
A Fazenda Sítio é tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal devido aos vestígios da época da escravidão. Entre os artefatos presentes estão o tronco e o cepo utilizado para castigar os cativos. Historiadores relatam a presença de ruínas do que foi uma senzala que abrigava os escravos do lugar. Também estão ali, casas utilizadas por José Maria Alkmim (1901-1974), legendário político bocaiuvense, que foi ministro da Fazenda no governo de Juscelino Kubitscheck e vice do marechal Castelo Branco (1897-1967), primeiro presidente do regime militar, durante o período de 1964-1967.
Telhado foi colocado para preservar o artefato utilizado para castigar os cativos rebeldes. Ao fundo, a primeira sede da fazenda de José Maria Alkmim (foto: Jair Bastos)
ALKMIM E OS MILITARES
Este, aliás, é um dos fatores que motivaram a ocupação, segundo o movimento. Os veículos de comunicação ligados ao MST consideram Alkmim como um dos articuladores do Golpe de 1964. Relatos não confirmados dizem respeito a reuniões de José Maria Alkmim fazia com militares, antes e durante o período da ditadura, na varanda da casa que fica na sede da fazenda ocupada.
Foi justamente no Governo Castelo Branco que organizações como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), as ligas camponesas e a União Nacional dos Estudantes (UNE) foram perseguidas e reprimidas, sendo enquadradas na Lei de Segurança Militar, que foi germinada no Ato Institucional nr. 1, do qual José Maria Alkmim foi um dos redatores. O AI-1, como ficou conhecido do documento, entre outras coisas, suspendia os direitos políticos de todos os cidadãos vistos como opositores ao regime militar, dentre eles, congressistas, militares e governadores.
Também empresários foram investigados. Foi o caso dos donos da Panair do Brasil, a maior companhia aérea do país, na época, que teve a sua licença para voar cassada e o patrimônio temporariamente confiscado porque o grupo acionário era ligado a líderes comunistas e a Juscelino Kubitschek.
A SITUAÇÃO DO LUGAR
Aproximadamente 500 pessoas, entre adultos, crianças e idosos, estão acampadas no pátio da propriedade, distante 55 km de Bocaiuva. De acordo com Edvaldo 'Primo' Soares, um dos coordenadores do MST e responsável pelo contato com a imprensa, o local foi escolhido por causa das características peculiares.
"Estamos aqui para retomar a dignidade daqueles que foram escravizados neste lugar, daqueles homens e mulheres que deram seu sangue e seu suor", diz. “Muitos perderam suas vidas neste lugar”, relembra o coordenador.
Sem-terra estão acampados em barraca coletiva. (foto: Jair Bastos)
Primo afirmou que várias pessoas foram mobilizadas em Bocaiuva para participarem da ocupação. “Muitos bocaiuvenses estão aqui e nós aguardamos, ainda, pelo menos 80 famílias que estão na região do entorno da fazenda para se juntar a nós”, disse o sem-terra.
A Polícia Militar e a Polícia Civil estiveram no local, na segunda-feira, 17, para conhecer a situação que se apresentava no lugar. O comandante do pelotão de Bocaiuva, Tenente Franco, juntamente com outros policiais, conversou com os sem-terra para garantir a segurança dos moradores do lugar. Conforme o oficial, a chegada dos manifestantes foi feita de forma tranqüila e pacífica, sem nenhum confronto com os responsáveis pelo local ou com os moradores.
NOVAS OCUPAÇÕES
“A ocupação vem sendo planejada há pelo menos dois anos, depois de uma extensa pesquisa para conhecer a área”, revelou Primo. “São cerca 3,5 mil hectares de terras que estavam improdutivas e sem nenhuma função social”, destaca. A Coordenação Estadual do MST confirmou a ocupação e reivindica a desapropriação imediata das terras. Além disso, querem “o assentamento de todas as famílias acampadas em Minas Gerais e assistência técnica e liberação de crédito agrícola para as famílias assentadas”.
Primo citou outras propriedades na região norte-mineira, como a fazenda do vice-presidente José Alencar, em Pedras de Maria da Cruz, como sendo latifúndio improdutivo, sem dizer , no entanto, se é intenção do MST promover a ocupação aquelas terras. Porém, reafirmou que a existência de grandes extensões de terra improdutivas é uma realidade da região e que o movimento não vai parar por aqui.
Acampados, os trabalhadores sem-terra exigem a imediata resolução do conflito (foto: Jair Bastos)
A CPT E O MST
Coincidências à parte, a ocupação acontece na mesma semana em que se realiza o 3º Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Montes Claros. Com o lema “No clamor dos povos da terra, a memória e a resistência em defesa da vida!”, o congresso pretende discutir novas formas utilização social da terra, o desenvolvimento sustentável e recuperação dos biomas e a situação dos assentamentos no país. Em nota divulgada à imprensa, a CPT apoia a ocupação na Fazenda Sítio, reafirmando que “o latifúndio não possui função social e está abandonado”.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra surgiu em 1984 com a participação de trabalhadores rurais e organizações ligadas à reforma agrária, centrais sindicais, e pastorais da Igreja Católica, como a própria CPT. De acordo com a nota dos sem-terra, o MST “é fruto da história da concentração fundiária que marca o Brasil desde 1500” .
Dentre suas atividades, “o MST defende um programa de desenvolvimento para o Brasil, que priorize a solução dos problemas do povo, por meio da distribuição da terra, criação de empregos, geração de renda, acesso a educação e saúde e produção e fornecimento de alimentos”.