Para concluir a trilogia, Ray destaca, com força, a humanidade dos personagens. Este terceiro filme já não possui cenários tão belos como o primeiro, a natureza (principalmente em seu início) não está tão presente, mas o cineasta não abandona a tenura: ela cresce aos poucos, à medida que Apu e Aparna se apaixonam. O MUNDO DE APU, ainda que focado na racionalidade e crescimento do protagonista agora só, é um belo conjunto de pequenos instantes simbólicos e majestoso uso de imagens como metáforas. É um filme que simboliza a quase desistência, o rompimento com a idéia de “invencibilidade”, uma imensidão de um mundo e uma nova ironia de Ray.
A realidade da “Trilogia de Apu” é dura, cruel, seca. A existência é paradoxalmente repleta de vida (ainda que entremeada de tantas mortes), de natureza, sons, movimento. Ray passeia entre o bem e o mal, a saúde e a doença, a vida e a morte, numa doçura e realismo impressionantes. Sua maneira de dissecar a realidade social da Índia incorpora perfeitamente o humanismo e a sensibilidade herdadas do neo-realismo italiano.
A crítica Úrsula Rösele (site FilmesPolvo) define muito bem a obra de Satyajit Ray: “Apesar de serem filmes permeados por muitas tragédias, fome e pobreza, há sempre uma idéia de esperança em seus planos, em sua construção cênica. Essa parece ser, para além da história que ele sabe muito bem contar, uma esperança no cinema, em seu potencial e sua força artística”.
O Cinema Comentado Cineclube, em parceria com o CineSesc, acontece todo sábado, a partir das 19h, no Salão de Convenções do Sesc-Pousada Montes Claros – Rua Viúva Francisco Ribeiro 199 (Ginásio do Sesc). A entrada é gratuita e há sempre um bate-papo após as exibições.
Guerra, sonhos e humor no domingo
No domingo, dia 28/02, o CineSesc e o Cinema Comentado Cineclube fecham o mês de fevereiro com a exibição de “UNDERGROUND – MENTIRAS DE GUERRA” (1995), do diretor Emir Kusturica. Situações surreais, humor, política, aventura, tragédia, poesia, pátria. Um dos grandes filmes da história do cinema mundial (foto), Palma de Ouro no Festival de Cannes, a trama se passa durante a Segunda Guerra, quando dois amigos fazem fortuna utilizando um grupo de refugiados num porão para produzir armas que vendem no mercado negro. Ao final do conflito, continuam iludindo o grupo por quinze anos, para poder explorá-los. Uma visão crítica da realidade humana, social e política, o filme é uma alegoria perfeita para os dias que correm.
Em UNDERGROUND, Kusturica apresenta de maneira bastante irônica o último meio século de conflitos na sua Iugoslávia, da invasão nazista na segunda grande guerra até a invasão norte-americana na recente guerra dos Balcãs. A absurda vila subterrânea se transforma numa pequena e delirante fábrica; os anos passam e os conflitos continuam, numa situação completamente caótica, criada pela genialidade do cineasta, que mistura o realismo socialista com imagens surrealistas e metáforas de situações sociais e políticas da história. Numa das primeiras cenas mágicas do filme, dezenas de animais exóticos fogem do zoológico de Belgrado debaixo do bombardeio nazista.
Kusturica nasceu em Sarajevo (atual Bósnia) e começou a fazer cinema ainda no colégio, dirigindo filmes independentes, muitos deles premiados em festivais nacionais amadores. Foi um dos mais brilhantes alunos da Famu, a academia cinematográfica de Praga, onde estudou de 1973 a 1977. Por seu projeto de graduação, o curta-metragem em preto-e-branco “Guernica”, ganhou o primeiro prêmio do Festival Internacional de Cinema Estudantil, em Karlovy-Vary (República Tcheca). Sua obra coleciona prêmios em Cannes, Berlim e Veneza sempre incorporando elementos da realidade e dos sonhos numa narrativa crítica e irônica.
Para Fábio Rossano Dario (site CinePlayers), o cineasta é “uma figura pagã, anárquica, poética, uma mente fértil, cheia de fantasias surrealistas, com um estilo próprio e único. Talvez possamos enxergar um pouco de Felini em algumas cenas tragicômicas de UNDERGROUND. Nos seus filmes pode-se sentir a forte presença circense e cigana. As imagens, as cores e a dramaticidade dos atores, muitas vezes amadores, são muito valorizadas, assim como a música. Para quem é apaixonado pelo cinema europeu, UNDERGROUND, assim como toda a obra de Kusturica deve ser vista”.
O CineSesc acontece em parceria com o Cinema Comentado Cineclube e a Programadora Brasil, apresentando sessões todos os domingos, no Salão de Convenções do Sesc-Pousada Montes Claros, a partir das 19h. O endereço do Salão é Rua Viúva Francisco Ribeiro 199 (Ginásio do Sesc). As sessões são gratuitas, abertas a todos os interessados, e depois acontece um bate-papo com a platéia sobre o filme apresentado.
PROXIMAS ATRAÇÕES:
06/03 - Jogo de Cena (2007), dir: Eduardo Coutinho.
07/03 - Um Beijo Roubado (2007), dir: Wong Kar-Wai.
13/03 - Down by Law (1986), dir: Jim Jarmusch.
14/03 - A Culpa é do Fidel (2006), dir: Julie Gavras.
Fonte: Cinema Comentado Cineclube e CineSesc